Família é coisa sagrada e acredito pensar como a maioria. Pensar como a maioria, no entanto, não transforma família em algo sempre perfeito, imaculado e impecável. Assim como qualquer ser humano, a família também pode ter defeitos e malformações a despeito de todas as qualidades e virtudes, normalmente mais decantadas. Conheço pessoas e famílias das mais diferentes configurações graças ao tamanho da minha idade e, assim, do tempo que tive para observar o meu derredor pela vida afora. Tem sido uma observação fascinante.
A maioria das pessoas tem o hábito de ser mais condescendente quando analisa sua própria família em relação às demais . Defeitos e problemas alheios costumam ser mais detectáveis do que aqueles que acontecem dentro da nossa casa com indivíduos consanguíneos ou mesmo com anexos do mesmo clã.
Conscientemente ou não, toda família acaba tendo seus personagens favoritos e consensuais e os distantes, menos brilhantes mas também consensuais. Sempre houve, há e haverá os mais ou menos simpáticos, os mais ou menos bonitos, os mais ou menos bem sucedidos, os mais ou menos tolerados.
É comum se perceber em muitas famílias, participantes cuja palavra é incontestável e outros cuja palavra é ignorada e desconsiderada, mas é interessante e intrigante observar como esta hierarquização parece ser colocada numa balança de posicionamento variável, ora em cima e ora em baixo. O bastão troca de mãos ao sabor dos acontecimentos, do acaso e de fatos independentes de suas respectivas relevâncias. Por isso mesmo, os antigos costumam recomendar que não se deveria tripudiar sobre os inferiores porque não se sabe o dia de amanhã e os papéis podem se inverter de uma hora pra outra.
Mas não há como negar que, costumeiramente, família é algo forte e sempre se imagina existir um código de confiança entre os membros. Não era à toa que os integrantes da Máfia se denominavam membros da “Famiglia”. Os membros daquela “Famiglia” se blindavam, se protegiam e garantiam sua continuidade.
Por causa desta decantada tradição de auto protecionismo se torna tão devastadora qualquer notícia sobre traições intrafamiliares que, sim, são raras mas, certamente, não inexistentes. A própria mitologia e mesmo a história real da humanidade trazem casos de famosas rasteiras praticadas por membros de famílias mais ou menos famosas, mais ou menos poderosas, mais ou menos próximas de nós e isso faz com que nos emocionemos cada vez menos com eventuais manchetes atuais sobre fatos desta natureza.
Enfim, que maravilhoso emaranhado este em que acabei me metendo. Maravilhoso e excitante. Excitante e desafiador. Afinal de contas, família é algo para se comemorar ou para se desconfiar?
Sem dúvida é para comemorar, e comemorar muito. Não seria aceitável permitir que algum membro de DNA menos equilibrado ofusque todas as qualidades gerais da família presenciadas e valorizadas por todos os demais membros. Por mais numerosa e exemplar que possa ser qualquer família, sempre poderá haver algum sem noção que se ache no direito de julgar os demais pelo simples fato de, no momento, estar mais bem situado financeiramente. O que, ao fazer um favor , se esquece daquele favor que o outro lhe prestou em outros tempos. O que canta em prosa e verso seus pequenos sucessos na tentativa de apagar os sucessos que não foram seus. Esses são os fracos, infelizes e dignos de pena que precisam de ajuda e compreensão para saírem do buraco que cavaram a vida toda para esconder suas próprias frustrações, invejas e desventuras. A família não são esses, são os restantes, a maioria.
Família é o ambiente para todos serem felizes, pelo menos nos momentos em que estiverem uns diante dos outros.
Que tipo de família seria a sua, a minha, a nossa?
Pouco importa, nenhum de nós vai contar para o outro pois a família de cada um sempre será perfeita, feliz e exemplar mas, acreditem……hermética.